Por Santiago Santos*
eunóia é a obra literária mais experimental já produzida em solo cuiabano. É um jorro transgressor, punk-poético, recheado de referências culturais (expandindo a prosa-vitrine* que Dicke utilizava para dar carne a suas histórias) e neologismos, numa orgia gozosa com as palavras que Eduardo Ferreira manipula com autoridade. É um livro aliterativo e musicado, em flerte com a poesia e o ensaio, mas cuja linha-guia é uma prosa fragmentada, de frases sem uma única maiúscula, de vírgulas sacrificadas e de econômicos pontos finais. O leitor é levado em um frenesi que não tem começo nem fim categóricos, mesmo porque não há uma estrutura reinante.
O enredo-chão, de onde saem as esporas que frutificam (esquecido em certos momentos para reaparecer quando as divagações perigam ficar distantes demais), pode ser resumido sem muita moagem: um escritor noiado, preso em seu cubículo de metro e meio nos fundos de casa, alucina e observa o que se passa além da porta pelo olho mágico (não há enfrentamento efetivo com o mundo, todo mediado por lembranças do subterrâneo cuiabano: os ensaios de banda em ambientes claustrofóbicos, os palcos dos bares, as ruas da cidade, o calor sufocante dos becos). O relacionamento com a esposa é vazio; ela habita os outros cômodos, faz feira, vê novela, vive sua vida e nunca o encontra. Ele parece escrever justamente pra enfrentar essa sociopatia ou depressão ou simples noia paranoica do que há lá fora, do que paira sobre as pessoas em suas rotinas petrificadas. Todo o resto é colado nesse ponto estático, em investigações de toda sorte que voam alto ou baixo e retornam à mesma fonte pra alçar novos voos. A pegada do livro fica bem visível nesse trecho: “trocadilhesco trovador trovejando por aí nas barbas do outono. subtraio palavras dessa onda sem novidade alguma da escrita livre como um fluxo menstrual com dor de parto ou aborto eletrônico onde os nus saíram correndo com o lobo amauri wolf pelos microcontos da vida. explico um conto pequeno. dois contos de réis. quero o nonsense quero a borrasca quero a tempestade quero a incoerência.” (pág. 51)